Por Pe. Gottardo,SJ
“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (cf. Jo 13,34), afirma o Senhor, depois de ter lavado os pés dos discípulos. E arremata: “Se desejais serem reconhecidos como meus discípulos/amigos “deveis amar uns aos outros” (v. 35). O antigo mandamento do amor, que dizia “amar Deus e ao próximo como a si mesmo”, tornou-se novo porque foi completado com o diferencial “como eu vos amei” que muda tudo. Em Jesus o metro do amor não é mais o eu/outro, mas Deus mesmo. “A medida do amor é amar sem medida” (Santo Agostinho) a ponto de entregar a própria vida.
Ao discursar para jovens o Papa Francisco foi enfático: “O amor é a carteira de identidade do cristão, é o único documento válido para sermos reconhecidos como discípulos de Jesus. Se este documento perde a validade e não se renova deixamos de ser testemunhas do Mestre”. Tornamo-nos farsantes, hipócritas. Só quando a fé professada se torna amor ofertado a religião se torna credível e confiável.
Quem honestamente procura o rosto de Deus encontra-o no amor! Podemos afirmar que o amor é o lugar da revelação (epifania) da presença de Deus. Onde o amor se torna o estilo de vida aí Deus está. Jesus ensina que o lugar onde Deus vive é no coração de quem ama. Onde há uma pessoa ou mais pessoas que amam e servem, Deus aí está. Há um hino antigo e bem conhecido que proclama alto e bom tom: Ubi caritas et amor, Deus ibi est (“onde reina a caridade/amor, Deus aí está”).
Porém, o amor não pode ser mensurado e avaliado pelo número de missas e/ou terços e/ou práticas religiosas… É contraditório dizer-se “religioso” e viver para si mesmo, encastelado e confortavelmente aconchegado nas comodidades que o mundo oferece, incapaz de fazer-se solidário com aqueles que são humilhados e desprezados pelos corruptos de sempre… “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (cf. Jo 13,35). Quem se diz cristão e sente horror a pobre, por exemplo, é mentiroso e a religião que professa um chiste.
Amor não se confunde com tagarelice religiosa nem com demagogia. Sobre esta matéria, o sábio Santo Inácio de Loyola era bem realista e objetivo: “o amor deve-se por mais em obras que em palavras”. Conta-se que numa determinada ocasião, um repórter ao ver Madre Teresa de Calcutá dando banho em um leproso com incomum alegria, disse: “nem por um milhão de dólares eu faria isto!”. Ao que Madre Teresa responde: “O senhor não daria banho num leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não. Só por amor se pode dar banho a um leproso”.
Vivemos num tempo em que pululam crendices, mas a fé é raridade. Por isso, cabe algumas questões: ainda há espaço para Deus e/ou me contento com as especulações teóricas e com as conquistas das ciências (ídolos)? Onde e como busco Deus? Onde imagino encontrá-lo? Nos milagres? Nas aparições? Na natureza? Na racionalidade? Quiçá num aperto de mão carregado de afeto e de verdade?! Em uma estátua de Nossa Senhora que chora em algum jardim, ou em um amigo que se confia e desabafa comigo seus dramas existenciais? Em uma ação espetacular e forte, ou numa relação amável, acolhedora e reverencial do outro como o fez Jesus?
Certamente, o amor comunicado e vivido por Jesus não pode ser baixado num aplicativo que se descarrega no celular nem se confunde com experiências fugazes tão bem descrito por Vinicius de Moraes: “Que o amor não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. O amor é pura gratuidade. Drummond é assertivo: “Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga”. Assim deve ser compreendido o amor de Deus para conosco. Deus nos ama de modo apaixonado e gratuito. Aí está o jeito humano de “em tudo amar e servir” divinamente.
O evangelista João lembra que Deus nos ama de modo tão original e intenso que quer estabelecer morada em nossa vida: “Se alguém me ama, obedecerá à minha Palavra; e meu Pai o amará, e nós viremos até ele e faremos nele nosso lar” (cf. Jo 14,23). Tornamo-nos casa de Deus quando acolhemos e obedecemos sua Palavra, ou seja, quando permitimos que o Espirito trabalhe em nós e irradiamos Sua presença produzindo as boas obras que o Pai deseja. A palavra de Deus deve ser preservada como com algo muito precioso, como tesouro inegociável. Não está algemada! (cf. 2Tim 2,9). O modo mais criativo e desejado de guardá-la é vive-la com alegria.