Pe. Gottardo,SJ
(1) Via de regra os fariseus e os escribas “murmuram”, ou seja, julgam e desprezam tanto o ensinamento como o comportamento de Jesus. Eles o odeia tanto que sequer o nomeiam, dizem: “Ele”. Entretanto, é precisamente “a eles” que Jesus conta as três parábolas (cf. Lc 15,1-32). Os fariseus e escribas representavam a “nata” da religião oficial dos hebreus. Por meio de orações, sacrifícios, ofertas e uma vida irrepreensível (ou seja, seguindo todas as normas religiosas), eles se consideravam santos, superiores e melhores do que os outros.
(2) Segundo Marco Pedron é precisamente por isso que a religião pode ser tornar algo nocivo e perigoso: porque enquanto Deus desce do céu para encontrar-se com os homens – e Ele se encontra e se mostra precisamente nos homens -, a religião separa dos homens. Então o que acontece: Deus desce e os homens “sobem”; os “religiosos” patinam e não encontram nem compreendem o Deus de Jesus. Foram eles que condenaram Jesus à morte por considerá-lo herético.
(3) Quando a religião se transforma em ideologia e começa a segregar as pessoas se torna uma espécie de laboratório do ateísmo e da indiferença porque envenena a alma e entorpece os sentidos. Dos antigos herdamos uma verdade perene: Ubi caritas et amor, Deus ibi est (“onde reina o amor Deus aí está”). É imperioso mudar radicalmente a ideia idolátrica (fariseus) que se tem de Deus.
(4) Jesus participa da refeição com pessoas que, segundo os religiosos, deviam ser eliminadas da face da terra (cf. Is 13,9). Eles o acusam não apenas por acolhê-las, mas também por comer com elas, e para aquela mentalidade tacanha, constituía pecado imperdoável. No mundo palestino, o alimento era servido em um único prato, do qual todos se serviam; portanto, comer juntos significava comunhão de vida. Jesus, portanto, tornara-se um impuro porque ele se alimentava com pessoas impuras.
(5) Para aqueles religiosos, Deus não se misturava nem fazia concessão aos impuros. Para a mentalidade dos escribas e fariseus Deus ama apenas os puros e santos, ou seja, só é digno do amor de Deus quem era fiel observante da Lei. O destino dos pecadores era o inferno porque Deus os repelia como escória. Esta era a presunção dos “entendidos” da religião (cf. Lc 18,11-12).
(6) No entanto, o Deus do Evangelho, o Deus de Jesus, é exatamente o oposto. Com Jesus é Deus quem vai ao encontro das pessoas, especialmente, dos mais necessitados e vulneráveis (e para aqueles que desejam conhecê-lo): “Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo” (cf. Lc 15,1). Jesus se sentia em “casa” com os pecadores, mas em “perigo” com os religiosos.
(7) Pedron é categórico quando põe na boca dos religiosos: “Tem Deus quem o merece. Deus está com quem é bom, puro e correto”. O evangelho atesta o contrário: “Ninguém precisa ser puro para relacionar-se com Deus. Quem O acolhe se torna puro. Deus está sempre conosco, sejamos puros ou não. Importa, sim, deixar-se amar e acolhê-Lo com amor”. E para eles entenderem isso Jesus conta três parábolas para esclarecer que Ele veio procurar aqueles que estavam perdidos. Todos devem saber que são amados pelo Pai. Todos devem saber que Deus é um dom.
(8) O Pai é o que Deus faz por todos nós (que somos o filho pródigo). O que Deus faz por nós? Festa! Enquanto que o filho mais velho são os escribas e fariseus, servos de Deus, não filhos de Deus (assim, eles se percebem e assim ensinam). Ao pai, dizem: “Eis o teu servo! Por tantos anos trabalhei e sequer me destes um cabrito”. Mas já era tudo dele!
(9) É preciso cuidado: em muitas situações a religião forja pessoas infantis, como criançolas que sempre esperam a permissão dos outros (fora) para mexer-se. A religião cria pessoas vingativas e invejosas. A história recente está recheada de fatos deploráveis. Pessoas raivosas cospem no rosto dos outros. Ao Pai dirá: “este teu filho” e nunca “meu irmão” para externar todo o ódio que sente pelo irmão. Os religiosos não sabem sorrir nem celebrar e fazer festa, porque estão envenenados pela raiva e pelo orgulho (cf. Lc 15,28: “Ele ficou zangado”).
(10) A parábola é também uma estupenda fotografia dos relacionamentos intrafamiliares. Os dois filhos são diferentes e têm comportamentos aparentemente opostos. Na realidade, eles têm o mesmo problema: eles têm o mesmo pai e não se sentem reconhecidos por ele. Nascidos do mesmo pai, são o oposto dele. O pai não conseguiu transmitir-lhe amor porque ambos o sentem como um inimigo. Ambos são escravos, viciados, comportam-se como mercenários.
(11) O mais jovem diz: “Dê-me a parte do patrimônio que me pertence” (15,12). E ele não tinha direito a nada! Por não conhecer nem reconhecer o amor do pai, os criançolas tentam agarrar o máximo que podem. A luta é feroz. Naquele tempo a herança era obtida apenas após a morte do pai. Dizendo isso, ele diz: “Estás morto para mim. Não tenho mais nada a ver contigo. Não existes mais para mim!”.
(12) O mais velho disse ao pai: “Eu te sirvo há muitos anos e nunca transgredi um mandamento” (15,29). Ele se percebe como um servo, um escravo: ele não faz nada além que obedecer, mas a raiva o consome por dentro. Teme perder os privilégios do filho primogênito. A diversidade está apenas na escolha, na estratégia que eles usam para ter um relacionamento exclusivo com o pai.
(13) Os dois irmãos jamais se encontram. Não conversam. O mais velho se dirige ao pai, dizendo: “Este teu filho devorou seus bens com prostitutas” (15,30). A raiva é terrível e corrosiva. Ele se sente enganado: “Eu sempre fui bom, sempre me comportei bem e tu favoreces este safado! Eles veem e tratam o pai como inimigo. Há um abismo intransponível entre eles.
(14) O que está em jogo? Na superfície o dinheiro, mas em profundidade a disputa pelo amor do pai. Naquela época, era assim: o primogênito era o predileto, o escolhido: ele recebia 2/3 da herança e todos os privilégios paternos. O mais velho vencia, o caçula, perdia. Ponto.
(15) O caçula se vinga desperdiçando tudo com uma vida desenfreada e promiscua. Perde tudo porque no seu interior havia a sensação de ter perdido o amor do pai: seu pai escolheu o outro. E quando retorna o faz por interesse: apenas para não morrer de fome.
(16) As guerras fratricidas por herança e as lutas no mundo do trabalho são conflitos de amor (ocultos) para ser os mais querido do pai/patrão. O sonho de todo filho é ser único e gozar de todos os mimos e benesses que o pai pode oferecer. Algo perigoso e deletério porque quando crescer, ele pensará que o mundo e todas as pessoas vão girar em torno dele e estará em função dele. Ledo engano.
(17) Diz-se que Napoleão confinado à ilha de Santa Helena foi envenenado com arsênico. Todos os dias recebia pequenas doses de veneno. Assim morreria lentamente. O não dito, as mágoas acumuladas e a não comunicação é um veneno que é injetado na alma e lentamente a mata.
(18) Nota-se a reviravolta da parábola quando os personagens começam a conversar entre si. O caçula fala consigo mesmo (15,17-20): “Quantos empregados…”. Começa a assumir suas irresponsabilidades, seus pecados e sua fome de amor. O Pai quando o avista fica comovido e expressa sua alegria, suas lágrimas, etc. O mais velho explicita sua raiva (15,29-30), seu ódio entranhado, sua inveja; os monstros interiores explodem e a bestialidade o assalta quando soube da festa patrocinada pelo pai por causa do retorno do irmão. Será que algum dia ele entrou para participar do banquete do Reino?!