“Deus é “superior summo meo et interior intimo meo – maior do que o que há de maior em mim e íntimo do que o que há de mais íntimo em mim” (Sto Agostinho).
Todos nós somos chamados a experimentar Deus, a conhecê-lo, a “ir e ver” (cf. Jo 1,39). A liturgia nos lembra que Samuel era filho de uma mulher estéril, Ana, como frequentemente acontece na Bíblia. Na alegria de ter um filho inesperado, a mãe decide confiá-lo aos cuidados do sacerdote Heli. O menino Samuel fora educado com esmero e tornou-se um profeta extraordinário, foi ele quem consagrou os primeiros reis de Israel.
Era uma pessoa religiosa, participava das liturgias e dispunha de ótima assistência espiritual. Mas ainda não conhecia Deus (1Sam 3,7). É verdade, podemos frequentar a igreja sem “conhecer” Deus, ou seja, cultuar uma imagem caricata do divino (ídolo). Isto é deveras perigoso. Daí, nasce, por exemplo, o pérfido farisaísmo religioso. É preciso encontrar alguém (“estrela”) que nos ajude a “acordar” o Deus que dorme em nós e/ou desenterrá-lo dos nossos sepulcros.
João e André também não encontraram Deus no templo, mas no deserto na qualidade de discípulos de João Batista. Eles seguiram o carisma do Batista, deixaram tudo para segui-lo, até mesmo a pele deles estava ressecada pelo sol e pelo vento do deserto de Judá. Entretanto, o austero profeta tinha consciência de que a missão de Precursor do messias estava se esgotando. Tempus fugit. Encontra-se estático e embevecido com a performance do Mestre de Nazaré, enquanto isso, Jesus passava-lhe à frente, soberano diante de seus olhos.
João dizia a respeito de Jesus: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (cf. Jo 3,30). Sem nenhum ciúme apresenta Aquele a quem seus discípulos deviam doravante seguir. O identifica como sendo o Cordeiro de Deus, como o cordeiro imolado na noite de Páscoa, como o cordeiro sacrificado no lugar de Isaac, como o manso cordeiro apresentado pelo profeta Isaías.
Talvez o Batista antevia no Nazareno vestígios do sofrimento que deveria enfrentar no desempenho da Missão e a determinação de doar-se de modo incondicional no serviço ao Pai. Como é bom ter um mestre que indica a presença do Mestre, que conduz ao verdadeiro pastor! Quem o encontrou, encontrou um tesouro.
“Que procurais?”. É a primeira palavra (pergunta) que Jesus pronuncia no Evangelho de João: Ele não busca discípulos (fazer escola), não busca persuadir ninguém nem cumprimenta ninguém pelas honrosas escolhas. Apenas, com extrema delicadeza, impele os discípulos a dar razões à escolha que fizeram (cf. 1Pe 3,15). Deus não quer que os discípulos andem à reboque de ninguém, nem gosta de cristãos “pagãos” (papa Francisco) e nem de católicos bitolados e escravos do hábito e de tradições balofas. Quer consciência, liberdade, alegria. O Deus de Jesus quer que o sigamos, mas como adultos; não como factóides que se esquivam diante dos desafios que a vida nos apresenta.
A fé não pode ser confundida com um abrigo confortável que nos protege dos tremendo problemas que caracterizam a cinzenta sociedade: injustiças e crueldades, violência e maldades, egoísmos e idolatrias, vaidades, etc.; a fé também não é tapete para esconder nossas mazelas humanas e morais. Deus quer homens/mulheres, leais, livres e verdadeiros; pessoas que servem por amor e com amor. Ser solidário deve ser o estilo de vida do cristão. O morno se vomita nos diz o Apocalipse (cf. 3,16).
Os dois discípulos ficam desconcertados diante da inopinada pergunta de Jesus: “Que procurais?”. Nem desconfiavam do alcance da indagação de Jesus. Por isso, pedem ajuda, imploram uma luz, quiçá, um ponto de apoio: “Onde moras?”. É o eterno problema do ser humano: gostamos de verdades “claras e distintas” que nos garantam segurança e conforto. Como somos medrosos! Inventamos tantos “se”, “mas”… para, talvez, dizermos um “sim” definitivo ao Senhor. Pior. Muitos fogem de Deus e de eventuais compromissos. Quanta covardia! Mas Ele não desiste: “Vinde e vede”. Não se trata de conhecimento livresco, mas de “mexer-se” e de fazer uma experiência vital.
A fé não é um “fazer” e um “saber qualquer”, mas um “conhecer e um aderir a uma proposta”. Primeiramente somos convidados a “ir e ver”, ou seja, a fazer a experiência do discipulado; e, depois, permanecer com Ele. André e João foram e permaneceram com Ele. Certamente, ficaram encantados com o que puderam conferir e testemunhar. Fizeram a experiência da companhia de Jesus. Foram “enfeitiçados” pela pessoa de Jesus. Aqui, cabe uma pergunta crucial: que experiência fazemos aos irmos e participarmos de uma celebração/culto na igreja? Saímos encantados, com o coração feliz e saltitante e/ou frustrados pela mesmice e pelo lengalenga de sempre?! Isto dá o que pensar!
A observação final do evangelista João é muito refinada: “Era cerca da hora décima” (v. 39). O evangelista, ao fazer memória da própria experiência, traduz desse modo o instante em que sua vida foi iluminada e transformada pela Luz do Cordeiro; a partir daquele Encontro salvador a vida ganhou sabor e densidade. Aquele dia representou para ele uma nova Criação, fato inesquecível. A poetisa mineira, Adélia Prado, foi muito feliz quando escreveu: “Aquilo que a memória ama permanece eterno”.
Nova Trento, 17 de janeiro de 2015
Pe. Gottardo,sj