Na bíblia, alguns números aparecem recorrentemente, carregando consigo um rico simbolismo que expressa alguma dinâmica dentro da vivência da fé. Um desses números é o 40, associado sempre à preparação e elevação.
No livro do Gênesis, conta-se que durante o dilúvio, Noé passou com sua família quarenta dias e quarenta noites na arca (Gn 8,6) para que pudesse então receber a nova terra. Em Êx 24,18 nos é dito que Moisés permaneceu o mesmo período no alto do monte Sinai antes de receber as leis de Deus, e o povo judeu, por desobediência e falta de fé, ficou quarenta anos perambulando pelo deserto antes de poder ingressar na terra prometida (Dt 8,2-4).
Sob o governo dos juízes, Israel gozou de quarenta anos de paz (Jz 3,11); o mesmo período duram os reinados de Saul (At 3,11), Davi (2Sm 5,4-5) e Salomão (1Rs 11,42), os três primeiros reis do povo judeu. Elias demora quarenta dias para chegar ao monte Horeb (1Rs 19,8), e os ninivitas jejuam por esse mesmo tempo antes de receber o perdão de Deus (Jn 3, 4-5);
Já no novo testamento, são Lucas nos diz que quarenta dias após seu nascimento Jesus foi apresentado no templo, seguindo o costume vigente (Lc 2,22). É também durante quarenta dias que Ele se retira para o deserto, antes de iniciar seu ministério público (Mt 4,22), e durante o mesmo período passa com seus discípulos após a ressurreição, antes de finalmente subir aos céus (At 1,1-3).
Como podemos ver nos numerosos exemplos elencados acima, o número quarenta está sempre associado com a ideia de preparação para que se receba alguma Graça. Entretanto, não é um tempo meramente ritualístico, e sim um momento onde nos confrontamos com aq
uilo que há em nosso interior, em atos para transcender-nos que exigem disposição física e força de vontade. Seja permanecendo no Monte Sinai, na arca ou no deserto, é um momento marcado por uma espera ansiosa e por um desafio a ser vencido. Ao fim disso, saímos mais próximos de Deus, mais elevados em nosso caminho espiritual.
A quaresma é dada, nesse sentido, para que o cristão se prepare para receber a nova lei, a nova aliança, fruto do sacrifício pascal de Nosso Senhor Bendito. Os quarenta dias se encerram na quinta-feira santa à tarde (desconsiderando-se os domingos, onde não deve-se fazer jejum, embora seja possível manter a abstinência), quando iniciamos as celebrações da tríduo pascal.
É um período para nos afastarmos em direção ao deserto de nossa alma, para revermos velhas atitudes e, através de propósitos renovados, mergulharmos na Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. É tempo de sentirmos o desconforto que nos exigem a oração, o jejum e a caridade, assim como Cristo foi tentado pelo demônio. Isso nos leva a conhecer-nos a nós mesmos, a percebermos as nossas fraquezas e a necessidade sumária que temos de Deus. Somente assim, com uma quaresma bem vivida, e vitoriosos nos desafios que propomos, é que nossa Páscoa poderá se preencher com o mesmo sabor de vitória que teve aquele Domingo central, onde Jesus, ressuscitado e vitorioso, derrotou a morte que abatia a pobre humanidade.