Por Pe. Gottardo,sj
Encontro-me na colina do Calvário, momentos após a morte de Jesus, sem me importar com a multidão de curiosos quais abutres espreitando seu cadáver.
É como se eu estivesse sozinho, com os olhos fixos naquele corpo desfigurado e sem vida, derrotado na cruz.
Observo a turbilhão de pensamentos e de sentimentos que brotam em mim enquanto o contemplo.
Vejo o Crucificado despojado de tudo:
Privado de sua dignidade, nu diante dos amigos e inimigos.
Despojado de sua reputação.
Minha mente se reporta às cenas/situações em que se falava bem dele.
Despojado de sucesso.
Lembro-me dos anos emocionantes em que milagres eram aclamados em profusão e se tinha a sensação que o reino dos céus estava irrompendo na história.
Despojado de credibilidade, ele não podia descer da cruz.
Ele não tinha forças para salvar-se a si mesmo, devia ser um impostor. Um fracassado!
Privado da assistência de Deus, ao qual dizia ser pai, esperava ser salvo na hora do terror e só obteve o silêncio. Deus onde estás?!
Contemplo-o privado de vida e de beleza; vida que ele, como nós, amava tenazmentee relutava em entregá-la.
Enquanto olhava perplexo e intrigado aquele corpo sem vida entendiaum pouquinho a promessa da libertação suprema e total que Ele veio anunciar.
A verdade é uma só: ao ser pregado na cruz, Jesus torna-se ainda mais vivo e livre. É Rei da sua vida.
Sua morte violenta é uma parábola/símbolo de ressurreição/vida e não de engano.
A Cruz tornou-se em Jesus o “trono” da salvação do mundo. Por isso, cantamos: “Vitória, tu reinarás”.
Isto provoca admiração e não comiseração.
Então agora eu contemplo a majestade do Homem que se libertou de tudo o que nos faz escravos e destrói a felicidade.
Fixando o olhar naquela liberdade “essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” (C. Meireles), penso com tristeza nas minhas alienações e rebeldias.
Quantas vezes, somos escravos da opinião pública!
Como não pensar nos momentos em que somos submetidos e/ou controlados por ideologias que dizem e/ou pensam por nós aquilo que nos diz respeito.
Somos atraídos via de regra pelas aparências e pela ideia de sucesso. Gostamos de circo.
Quantas vezes, quais meninos mimados, fugimos dos desafios e dos riscos, porque temos medo de cometer erros e/ou de falhar.
Enquanto isso, com a nossa omissão, o Reino de Deus padece.
Quantas vezes não nos tornamos dependentes das necessidades criadas artificialmente para nos distrair e matamos para ter migalhas de prazer!
Quantas vezes para nos sentirmos alguém, não nos tornamos dependentes da aprovação e da aceitação dos amigos, do mágico poder alheio para aliviar a dor da solidão; tentação de tomar posse dos meus amigos, sem se dar conta que assim procedendo perdemos nossa liberdade.
Quantas vezes nos tornamos escravos de um Deus tirano e cruel que inventamos!
Quantas vezes não procuramos instrumentalizar Deus para domesticá-lo ao nosso favor para obtermos segurança, paz, comodidades e vida indolor, indiferentes às desgraças alheias!
E quantas vezes para esconder nossas covardias, nossos medos e nossas carências apelamos para ritos e superstições que não fomentam a vida nem a justiça que brota do evangelho.
Como somos apegados aos ídolos e o quanto estamos paralisados pelos medos de todos os tipos!
No fundo, às vezes, somos incapazes de assumir riscos por causa do medo de perder os amigos ou a manchar a reputação, medo de participar e medo da vida, medo de Deus. E assim vamos transformando religião numa farsa.
E assim fixo o olhar, com simpatia e admiração,o Rei, o Crucificado que conquistou a liberação final na sua Paixão, porque lutou ferozmente contra seus monstros interiores e seus apegos desordenados e venceu. Vitorioso vive e reina, o meu Senhor!