Por Jean Bunn
Essa semana nosso país se escandalizou com as denúncias contra o famoso médium espírita João de Deus, acusado por mais de trezentas mulheres pelos crimes de abuso sexual e de estupro. O caso se tornou ainda mais grave quando a própria filha de João de Deus veio a público confessar que era violentada pelo pai desde os 9 anos. Não é conveniente aqui julgar sua inocência ou culpa, mas o caso – mais um entre muitos – nos permite tocar num tema grave: a radical incompatibilidade entre espiritismo e catolicismo. A situação impele-nos a tratar sobre o assunto, principalmente porque, enquanto paróquia jesuíta, nos sentimos especialmente provocados pelo escândalo a tomar uma posição.
João de Deus atua em Goiás, numa clínica que leva o nome de ninguém menos que o fundador da Companhia de Jesus: Santo Inácio de Loyola. O médium se apoia no nome do fundador da Companhia de Jesus, santo católico, afirmando que canalizaria seus fluídos e energias para curar as pessoas. De quebra, santo Inácio ainda serviria como uma espécie de consultor espiritual, ditando frases sobre o amor, a busca pela luz e a doutrina espírita: em outras palavras, coisas vazias e mornas, completamente contrárias a tudo que pregou e acreditou durante a vida.
Ora, é preciso enfrentar a repugnância que tamanha afronta contra esse santo querido causa, para podermos dissecar racionalmente o assunto e elucidar de uma vez por todas essa farsa chamada espiritismo.
A primeira pergunta que aqui precisamos fazer é como alguém do perfil de Santo Inácio, profundo servidor da Verdade, poderia, após a morte, descobrir que sua vida e suas crenças não passariam de erro, e ainda assim não vir a público – através de seu médium – retratar e contestar os próprios escritos. Poderia o “iluminado” dom Inácio de Loyola, como o apelidou João de Deus, nunca ter tocado no tema dos seus Exercícios Espirituais ou de tudo o que deixou escrito, preferindo que os cristãos católicos continuassem seguindo ensinamentos falsos? Por que o santo nunca corrigiu suas obras? Simplesmente porque o charlatão que diz contatá-lo desconhece-as completamente. Sendo, na melhor das hipóteses, fruto de uma mente delirante, essa alma que o inspira jamais poderia falar daquilo que não sabe. Então o suposto dom Inácio permanece ali, somente repetindo frases melífluas para agradar aos ouvidos dos que frequentam as sessões.
Ícaro de Carvalho (ex-espírita), ao dar seu testemunho pessoal sobre o assunto, questiona:
“Vem a pergunta: se João abusava realmente de todas essas mulheres, quem é esse guia? É o Santo mesmo? […] Médiuns que incorporavam Santos e continuavam cometendo as mesmas falhas de sempre. O cara incorpora João Batista e continua enchendo a cara. A moça incorpora Joana D’arc e continua traindo o marido.
Grandes escritores perdem a capacidade de produzir textos, oradores excepcionais cometem erros gramaticais básicos e pintores renomados passam a fazer telas abstratas baratas…
O espiritismo nunca produziu — nunca! — em todos esses anos uma obra teologicamente forte. Nunca um Apóstolo retornou dos mortos para reescrever as suas próprias obras. Nenhum doutor da Igreja bateu aqui num terreiro em São Vicente para reformar a Suma Teológica. Tudo que aprendemos com os espíritos são mensagens abstratas sobre buscar a luz, a felicidade, a paz mundial e uns negócios new age.
Sequer os romances são bons…são piegas; com cara de tradução ruim de livros franceses que o Chico adorava colecionar. Aliás, boa parte das antigas encarnações do Emmanuel, guia principal do Chico, nunca existiram. Não faziam parte da história e do registro de Roma, um país tarado por arquivismo”.
A pergunta é pertinente, embora os frequentadores desses centros não queiram responder. Por que, em séculos de kardecismo, jamais nenhum médium produziu, com auxílio de seus mentores, nenhuma obra de relevância para qualquer área do conhecimento? Ao que tudo indica, santo Inácio e afins, de tão evoluídos que são, preferem rabiscar textos vazios, fazer mesas flutuarem e mexer copos.
O mais escandaloso é que alguém possa crer que os grandes santos católicos, cujas passagens por essa vida sempre estão marcadas uma profunda imitação de Cristo, seriam coniventes a ponto de usar como canalizadores pessoas no mais das vezes doentes e até mesmo criminosas. Diante de tamanha sucessão de escândalos, surtos esquizofrênicos e histerias que permeiam essas reuniões, poderia Santa Catarina de Siena, são Francisco de Assis ou são Josemaria Escrivá continuarem a servir a papel tão corrompido, se durante suas vidas eram intransigentes com toda sorte de pecados e artimanhas?
Em relação às supostas curas ocorridas em centros espíritas, Mario Umetsu, estudioso do assunto, coloca acertadamente:
“(Já se viu) alguém ser curado de lepra em um terreiro? Um morto ressuscitar? A cura de uma simples cárie dentária? A restituição de um membro decepado? Tudo o que conhecemos de fenômenos dos centros espíritas cabe perfeitamente em uma ótica natural e quase sempre são vulgaríssimos, seja em sua preparação, seja em suas dimensões: engenhocas mal confeccionadas, alucinações evidentemente limitadas ao próprio pensar dos alucinados, mil truques de ilusionismo repetidos à exaustão pelos padres parapsicólogos e prestidigitadores profissionais – como Houdini, o genial mágico antiespírita que jamais encontrou algo de incomum nas sessões espíritas”.
E, quanto às adivinhações, completa:
“As pessoas ficam impressionadas com o médium acertando tantas particularidades, e não percebem que o aparato para tirar cada informação é gigantesco, desde um laranja na fila de espera que nada mais é do que um informante do espírita até uma rede de banco de dados, conforme desmascarou o Pe. Herédia nos EUA. Com um mínimo de perícia, eu e tantos amigos e padres ao consultarmos adivinhos, praticamente nada nunca foi adivinhado. Tudo é genérico, e cada asserção é guiada pela própria expressão do adivinhado”.
Dessa forma, como nos explica o apóstolo, a simples existência de fenômenos que fogem à nossa compreensão (uma minoria em meio às farsas) não é atestado de que aquela ação provenha de Deus: “Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (cf. 1Jo 4,1). De fato, a Igreja nos ensina que os fenômenos tidos como supranaturais podem se dividir em três grupos: em primeiro, aqueles que se explicam dentro do tempo da paranormalidade, como percepções extra-sensoriais, frutos de capacidades humanas naturais ainda não aprofundadas pela ciência; em segundo as ações demoníacas; e por fim, os legítimos milagres, ação de Deus no mundo. Portanto, compete a nós o dever absoluto de examinar!
Entretanto, o mais lastimável nessa história toda é que muitos “católicos” continuam frequentando esses ambientes, e tirando deles as diretrizes para a sua vida de fé. Muitos dos nossos irmãos já não vêm à missa para se alimentarem espiritualmente, mas apenas para afagar o ego, quando não por pura tradição. A nós, cabe dizer a verdade: católico espírita é, no fim das contas, o mesmo que uma esfera quadrada.