Pe. Gottardo,SJ
Jesus ensinou: “Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído vem a mim” (cf. Jo 6,45). O profeta Jeremias traduz a própria experiência mística com estas palavras: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir” (cf. 20,7). São Pedro Crisólogo dizia que “o amor não admite não ver aquilo que ama”. Deus é experimentado pelos místicos/santos como uma espécie de imã que atrai o ferro a si. “Escutar o Pai” e deixar-se instruir por Ele, eis a aguda questão. Um desafio tremendo!
Como se dá a experiência da convergência da vontade de Deus com o desejo humano? Como um jovem pode encontrar e realizar sua vocação num contexto cultural com tantas vozes e tanta concorrência? Como se dá a comunicação de Deus para conosco? O conhecido biblista, Pe. J. Konnigs,SJ, ao meditar o evangelho de Jo 6,41-51 oferece uma pista refinada e profunda: “Ao mesmo tempo que o ser humano é responsável por ir a Jesus, ele deve ser atraído pelo Pai. Temos exemplos de tal relação dialogal em nosso dia a dia: para realmente participar de uma aprendizagem, o aluno deve ser admitido pelo mestre, mas também querer aprender; para gozar plenamente a alegria de uma festa, a gente deve ser convidado, mas também ir com gosto”. Tornamo-nos ‘discípulos de Deus’ à medida que se torna claro para mim/nós qual a intencionalidade de Deus acerca da minha vida. Trata-se de um processo infindo, não obstante saber que “as coisas findas, muito mais que lindas, elas ficarão” (Drummond).
A realização vocacional passa necessariamente por este duplo movimento: Deus que atrai qual imã e o “eu” que se deixa seduzir. Konnings arremata o raciocínio ao afirmar que “a fé não é algo unilateral. É um diálogo entre Deus, que nos atrai a Jesus Cristo, e nós, que nos dispomos a escutar sua palavra”. Em seguida, explica: “Quando se realiza esse diálogo, temos a vida eterna” em nós. Que é a felicidade senão a unidade entre o amor que convida e a resposta gratuita e amorosa de quem é tocado pelo Inefável! A atitude de escuta e a capacidade de discernir os sinais que Deus revela no nosso dia a dia é vital. É preciso aprender a escutar… A vocação desabrocha quando ocorre o encontro entre o Pai (criador) com seu filho/a (criatura). Descobrir a vocação é indício de uma vida fecunda e abençoada; de alguma forma é já saborear e antever a eternidade. Ou, nas palavras do genial W. Blake: “Ver um mundo em um grão de areia e um céu numa flor selvagem é ter o infinito na palma da mão e a eternidade em uma hora”.
Em seguida, Konnigs, faz uma esclarecimento deveras importante e oportuno acerca do extraordinário ensinamento de Jesus sobre a vida eterna. Diz-nos o biblista, com autoridade: “A vida eterna não é um prolongamento infindável de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência, que é mais do que uma passagem para o além”. Ou seja, a vida eterna não é uma questão post mortem. “A vida eterna, na perspectiva do evangelho de João, não se inicia apenas no além, mas aqui e agora. João fala da vida eterna para indicar a realidade da vontade divina quando assumida e encarnada na existência humana”.
A salvação é processo de construção e não algo mágico e/ou definido pelo tempo. Ao escrever sobre a vocação de ser professor, Rubem Alves, afirmou: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra”. Viver no aqui e agora a eternidade, portanto, significa aderir na fé a Jesus e abraçar a Causa que deu sentido à vida, malgrado ao aparente rotundo
fracasso na Cruz.
Quem acolheu e encarnou a vontade de Deus na própria vida foi, por excelência, Jesus Cristo. Assumiu sua vocação até as últimas consequências. Sua doação incondicional até morte, e morte de cruz ensina e mostra que o amor não conhece limites. Jesus é referência inapagável e original de uma vocação feliz e realizada.