Era uma vez, numa pequena cidadezinha, a filha mais velha da família mais miserável do lugarejo… O pai dessa família era tão pobre que não tinha o que dar de comer aos filhos. A menina, embora bondosa e humilde, passaria despercebida, de tão magra e franzina que era. Esse poderia ter sido o início de algum conto de fadas escrito por Charles Perrault, o famoso escritor francês, mas trata-se de um resumo do que foi a infância de Santa Bernadette Soubirous. De fato, a história da vidente de Lourdes é tão encantadora e bela quanto qualquer fábula, embora conte com um diferencial importante: ocorreu de verdade, intrigando até hoje biógrafos, historiadores e cientistas. Venha conhecer hoje um pouco mais da história da menina analfabeta que comoveria a França e o mundo.
O pai de Bernadette, embora inocente, teve a vida desgraçada pela falsa acusação de roubo de farinha. Foi posteriormente absolvido, mas as alegações destruíram sua vida, o que rebaixou os Soubirous a um estado de absoluta miséria. E é nesse contexto que nasce e cresce nossa vidente: Num prédio abandonado, fétido e úmido, compartilhando com outros apenas a pobreza incurável e a fome quase crônica.
A santa tinha uma beleza única, e portava-se com humildade e dignidade comparáveis, aos olhos dos que a conheciam, com as virtudes das grandes princesas e santas da história da Igreja. Por outro lado, era uma menina baixa e inculta, apenas uma camponesa aos olhos da grande maioria dos moradores. Quem seria capaz de sugerir que essa pobre esfarrapada protagonizaria uma das mais emocionantes e milagrosas histórias da Igreja?
Que soy era Immaculada Councepciou
Tudo começou em 1858. Bernadette e duas outras meninas foram incumbidas de buscar gravetos pelo campo, para que se pudesse fazer fogo – era inverno, e na França o frio costuma ser extremamente rigoroso. Durante a busca, ela acabou chegando ao local onde se encontra a gruta. Assim relata a própria vidente:
“Então, regressei diante da gruta e comecei a tirar os sapatos [para atravessar o riacho]. Tinha acabado de tirar a primeira meia, quando ouvi um barulho como se fosse uma ventania. […] girei a cabeça para o lado do gramado, do lado oposto da gruta. Vi que as árvores não se moviam, então continuei a tirar meus sapatos. Ouvi mais uma vez o mesmo barulho. Assim que levantei a cabeça, olhando a gruta, vi uma Dama vestida de branco.”
“Eu pensava ser vítima de uma ilusão. Esfreguei os olhos, porém olhei de novo e vi sempre a mesma Dama. Coloquei a mão no bolso, para pegar o meu terço. Queria fazer o sinal da cruz, mas em vão. Não pude levar a mão até a testa, a mão caía. Então o medo tomou conta de mim, era mais forte que eu. Todavia, não fugi. A Dama tomou o terço que segurava entre as mãos e fez o sinal da cruz. Minha mão tremia, porém tentei uma segunda vez, e consegui. Assim que fiz o sinal da cruz, desapareceu o grande medo que sentia, e fiquei tranquila. Coloquei-me de joelhos. Rezei o terço, tendo sempre ante meus olhos aquela bela Dama. A visão fazia escorrer o terço, mas não movia os lábios. Quando acabei o meu terço, ela fez-me sinal com o dedo para me aproximar, mas não ousei. Fiquei sempre no mesmo lugar. Então desapareceu imprevistamente”
Na mesma visão, santa Bernadette relata como as histórias começaram a se espalhar:
“No caminho de volta, perguntei às minhas companheiras se não haviam visto algo.
– Não. E tu viste algo?
Eu lhes disse que não. Mas retornando a casa, na estrada me perguntavam o que tinha visto. Voltavam sempre àquele assunto. Eu não queria lhes dizer, mas insistiram tanto, que decidi dizê-lo, na condição de que não contassem para ninguém. Prometeram-me que manteriam o segredo. Mas assim que chegaram às suas casas, a primeira coisa que contaram foi que eu tinha visto uma Dama vestida de branco. Esta foi a primeira vez”.
Não tardou para que o conhecimento das visões chegasse ao alcance de todos na pequena vila. Dezenas de fieis e peregrinos começaram a acorrer ao local, crendo tratar-se de uma aparição de Nossa Senhora, embora Bernadette se referisse a ela apenas em termos como bela dama e mulher vestida de branco. Os mais céticos pensavam se tratar de um golpe da família Soubirous para conseguir fama e dinheiro. Tentaram comprar Bernadette e os pais, mas estes se mantiveram resolutos.
Vendo que a opinião da jovem se mantinha firme mesmo diante de promessas de bens materiais, o prefeito e o delegado, extremamente contrários ao alvoroço que começava a se formar, passaram a intimidá-la com ameaças de prisão e interrogatórios intermináveis. Muito embora tentassem fazer a santa se contradizer em seus depoimentos, a linearidade do relato, sempre o mesmo e sempre firme, surpreendia a todos. O fenômeno daquela jovem mentalmente saudável, virtuosa, e ao mesmo tempo tão inculta para que pudesse inventar e sustentar uma história assim, surpreendia a todos, que não encontravam explicação razoável para os acontecimentos.
Foi durante a quarta aparição que o primeiro milagre ocorreu. Bernadette carregava consigo um círio, e durante o êxtase, a chama lambeu por quinze minutos a sua mão, sem no entanto queimá-la. Dr. Douzous, um respeitável médico que a acompanhava, testemunhou a cena e passou a crer imediatamente nas aparições.
Em certo momento, a senhora vestida de branco começou a pedir penitência e oração. Também recomendou que se beijasse a terra em reparação aos pecados da humanidade, o que Bernadette e seus seguidores adotaram como prática. As aparições se davam de forma regular, atraindo centenas e mais centenas de peregrinos e curiosos de toda a França.
A água da gruta
Em certo momento, no entanto, o choque. Numa das aparições, Nossa Senhora ordenou que a menina cavasse um buraco na gruta, e bebesse da água que dali brotasse. Ela assim procedeu, e depois de um tempo reparou que um filete sujo de lama escorria do chão. Por três vezes tentou beber, mas somente na quarta conseguiu, tamanha a sujeira da fonte. Em seguida lavou a cara com a água lodosa conforme a aparição lhe mandava.
Os moradores começaram a pensar que Bernadette enlouquecera. Ela, no entanto, insistia que todos os doentes que bebessem com fé daquela fonte seriam curados. Para a surpresa geral, o que era um filete imundo de lodo se tornou uma fonte límpida e abundante. Não tardou para que as primeiras curas começassem a ocorrer, e assim a multidão de peregrinos se avolumou até alcançar a casa dos milhares.
Construam uma capela!
Na décima terceira aparição, a mulher instruiu Bernadette para que pedisse ao pároco a construção de uma capela naquele lugar, que deveria servir de centro de peregrinação. Ao questionar o nome da aparição, a pobre menina apenas respondia: “ela não me diz”. O sacerdote, irritado com a situação que vinha ocorrendo, afirmou que só construiria a bendita capela quando a mulher falasse seu nome.
Foi na festa da Anunciação, em 25 de março que a Virgem Santíssima finalmente revelou sua identidade. “Que soy era Immaculada Councepciou”, Eu sou a Imaculada Conceição. De fato, o dogma da Imaculada havia sido recentemente promulgado, e Bernadette, camponesa e iletrada, desconhecia tanto o significado das palavras quanto o recente dogma.
Dessa forma, quando a menina revelou ao padre o nome da mulher, ele não pôde conter as lágrimas.
“Tem certeza, minha filha? Ela não falou que é a Virgem Maria, ou que é a Mãe de Deus, ou algo assim?”
“Não. Ela disse que é a Imaculada Conceição.”
Diante de tamanha evidência, o padre não pôde fazer nada além de acreditar. Conforme o pedido da Virgem, a capela foi erguida, e se tornou hoje um dos santuários mais visitados em todo o mundo.
O segredo de Lourdes
Frequentemente vemos, nas aparições de Nossa Senhora, a revelação de segredos. Em Lourdes, três deles também foram ditos, mas santa Bernadette jamais os compartilhou com quem quer que fosse. Viveu como uma simples freira num convento, as vezes enfrentando a chacota daqueles que não acreditavam nela. Veio a morrer muito jovem, apenas aos 35 anos.
As pessoas se perguntam o sentido de Lourdes, e a resposta está na pequena Bernadette. Lourdes demonstra que é pela humildade que alcançaremos a santidade. Foi a mão auxiliadora de Nossa Senhora que fez aquela jovenzinha tornar-se santa e esse convite estende-se universalmente a todos os filhos de Deus: Nos agarrando à bondade maternal da Virgem Maria, poderemos, com a graça de Deus, nos assemelharmos àquela pobre menina do interior da França.
Lourdes é um apelo a um mundo materialista, caótico e desordenado. Se existe um segredo, não só destinado a essa cidade, mas a todos os lugares e épocas é a vida exemplar – humilde e igualmente feliz – de santa Bernadette Soubirous.