Por Pe. Gottardo,SJ
“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão…” é o refrão de uma bela e conhecida canção. “É a esses filhos de cabeça dura e de coração de pedra que te envio… Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (cf. Ez 2,4-5). “Deus cumpre o que promete, Ele é fiel em tudo o que faz” (cf. Sl 145,17); nós, os humanos, às vezes.
O Pe. Raymond Gravel lembra que “todas e todos nós somos profetas pelo nosso batismo” e devemos sê-lo pelo nosso compromisso “como discípulos do Ressuscitado, visto que somos o seu Corpo”. É importante pormo-nos questões: Que imagem de Deus, de Cristo nós estampamos no mundo no qual vivemos? A imagem de um Deus vingativo, de um juiz severo, de um Deus mesquinho, de um Deus fetiche, de um Deus adocicado? Ou a imagem de um Deus amoroso, cheio de misericórdia e sempre disposto a perdoar, um Deus que ama a Justiça e inflama o coração de esperança?
É Deus quem suscita profetas para comunicar seus desígnios e sacudir as consciências letárgicas dos seus filhos que muitas vezes, dormem no berço esplêndido da comodidade, da indolência e da preguiça: “Javé seu Deus fará surgir, dentre seus irmãos, um profeta como eu em seu meio, e vocês o ouvirão” (cf. Dt 18,15-16); “Eu te constituí profeta para as nações” (cf. Jr 1,4ss). “O Senhor incumbiu-me de profetizar” (cf. Jr 26,12). “Deus precisa de nossos olhos para ver as necessidades de nossos irmãos e irmãs. Ele precisa de nossas mãos para lhes oferecermos ajuda. Ele precisa da nossa voz para protestarmos contra as injustiças cometidas graças ao silêncio, muitas vezes cúmplice, de muitos” (Papa Francisco).
Ouvir a voz Deus e segui-lo causa arrepios em muitos. Não foi fácil ao povo reconhecer, por exemplo, Moisés como profeta, assim como foi e continua sendo difícil reconhecer Cristo como profeta. A palavra do profeta dói porque diz verdades que ferem o nosso brio e não gostamos porque nos impele à conversão. Via de regra somos mais propensos a apreciar discursos adocicados, inofensivos e mais “equilibrados”; e muitas pessoas vão aos templos para cultuarem um Deus domesticado (ídolo), um deus que se adeque ao nosso modus operandi. Quase sempre os profetas são perseguidos e/ou assassinados por pessoas pias e religiosas.
O insigne pregador britânico C. Spurgeon, não podia ser mais explícito, ainda se levarmos em consideração as tantas ofertas “açucaradas” do mercado religioso de hoje: “Busque o evangelho que rasga, que lhe faz brotar lágrimas, que lhe dá cortes e produza feridas na sua consciência, o evangelho que mata seu eu inflado, porque esse é o evangelho que nos dá vida” e nos converte de verdade. Os profetas apontam para a seriedade da relação/diálogo que os homens e as mulheres são chamados a estabelecer com Deus.
João Batista, “o maior profeta nascido de mulher” (cf. Mt 11,11) se autocompreendia como Vox clamantis in deserto (“Eu sou a voz que clama no deserto”, cf. Jo 1,23). Por causa da sua indomável valentia do seu profetismo foi perseguido e martirizado (cf. Mc 6,17-29). No entanto, podemos afirmar que a recusa sistemática dos rebeldes do fogo que sai da boca dos profetas é já indício do fogo que os aguarda no dia do juízo e que os consumirá. Não adianta espernear.
A tarefa do profeta é anunciar o Reino de Deus e denunciar as injustiças, a mentira, a corrupção e desmascarar os “vendilhões do templo” que atuam em todos os campos. Isto suscita raiva, indignação e ódio (cf. Jo 3,20). O antigos cunharam a pungente expressão: veritas odium parit (“a verdade gera ódio”). Deus cumpre a palavra ao enviar os profetas que necessitamos para sairmos das cavernas, mas o problema está em nós, ou seja, na acolhida que lhes damos. Jesus veio para os seus e os seus não o acolheram (cf. Jo 11,11). A “divina comédia” humana continua… Ainda bem que a paciência de Deus é infinita!